(from Oscar de la Renta)
Chegou aquela altura do ano que as crianças adoram: escrever a carta ao Pai Natal - aquele senhor velhinho de barbas a fazerem lembrar algodão, que traz (só porque sim e porque é adorável para com o mundo) os presentes pedidos por carta.
A magia do Pai Natal reside talvez nisso mesmo: no conceito simples e tão bonito que alguém gosta de nós e nos envia algo que nós gostávamos de ter, só porque sim, só porque essa pessoa é boa pessoa e muito, mesmo muito generosa. De certa forma, o Pai Natal pode ensinar às crianças várias coisas importantes, como a beleza de darmos algo aos outros (e não só receber) sem esperarmos nada em troca. Pode ensinar também a importância de se comportarem bem (serem amigas dos seus amigos) para que o Pai Natal as recompense com uma boa surpresa.
Porém, nos últimos anos, tenho vindo a assistir, com alguma preocupação, à banalização da carta ao Pai Natal (e do Pai Natal também).
É com alguma tristeza que me apercebo que hoje em dia, a grande maioria das crianças só escreve o que quer na carta ao Pai Natal, (ou seja, escrevem exclusivamente a lista de coisas que querem receber) sem mandarem beijinhos, sem fazerem perguntas, sem perguntarem pelo Pai Natal, ou sem sequer agradecerem. Escrevem o que querem e, hoje em dia, ironicamente, num mundo em crise económica, as crianças e os adultos já quase não escrevem "se puderes".
E se pensarmos nisso, são dois verbos muito diferentes. Indicam sentimentos também muito diferentes.
Querer: verbo transitivo - ter a vontade de, ordenar, exigir, exprimir terminantemente a vontade, requerer, ter necessidade de...
Poder: verbo transitivo - ter a faculdade de, ter ocasião ou possibilidade de.
No fundo, quando numa carta se escreve quero, deveria ser acrescentado: se puderes ou se puder ser. Quer num contexto familiar (onde é a família a comprar as coisas pedidas) quer num contexto solidário (onde pessoas estranhas decidem ajudar uma causa com boa vontade).
É importante fazer as crianças perceberem que o Pai Natal é uma pessoa maravilhosa, mas não tem nenhuma obrigação para com elas e que tem milhares de pedidos por todo o mundo. Por isso, se ele puder (se tiver ocasião de comprar os presentes e possibilidades de o fazer) irá trazer os tão sonhados presentes.
Aquele espírito de magia de algumas cartas "como é a tua casa aí na Lapónia?", aquele espírito de partilha "e por favor não te esqueças das outras crianças todas no mundo", aquele espírito de amizade "vou deixar bolachas para ti e cenouras para todas as tuas renas" quase que, em suma, desapareceram.
Tudo isto foi substituído, numa grande percentagem de cartas, por "Pai Natal, eu quero um tablet, estes ténis e um jogo. João."
Não só se nota isto nas escolas, como em iniciativas de solidariedade. E não só em cartas ou pedidos de crianças. Mas de adultos. Vários adultos.
Tenho pena disto. O coração diminui um bocadinho a ler algumas cartas destas. Se existisse verdadeiramente um senhor de barbas brancas, óculos dourados e sorriso bondoso, que recebesse em sua casa centenas de cartas destas, o que pensaria dele?