sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Irmãos

(from Little Peanut Magazine)


Ao longo dos anos, já conheci irmãos que, andando na mesma escola, não se falam fora de casa, irmãos que na escola são inseparáveis e em casa não se falam, irmãos que são inseparáveis quer em casa quer na escola, irmãos que se sentem menos amados pelos pais em relação aos outros, irmãos que se sentem mais especiais do que os outros, irmãos que desejavam não ter irmãos e irmãos que desejam ter ainda mais irmãos! 

Qualquer que seja o caso, nunca me canso de repetir que o mais importante, é, quer em casa, quer na escola, todos os irmãos receberem, da forma mais igual possível, a mesma quantidade de atenção. 

Há poucas coisas mais desoladoras emocionalmente do que ouvir uma criança dizer que sente que os pais gostam mais do irmão ou da irmã. 

Se lhes perguntamos por que é que sentem isso, têm várias respostas na ponta da língua (estavam lá todas guardadas à espera que alguém perguntasse e se pudessem soltar). 

"O meu irmão tem melhores notas do que eu", "O meu irmão joga futebol. Eu não... E o meu pai adora futebol", "O meu irmão tem asma e por isso os meus pais estão sempre só preocupados com ele", "O meu irmão ainda é muito bebé."

Acreditem: as crianças absorvem tudo. Absorvem todas as pequenas subtilezas do quotidiano. Às vezes, absorvem coisas que interpretam de maneira muito errada. 

Às vezes, tomam a preocupação dos adultos em relação a um irmão com algum problema ou com alguma necessidade constante (o caso dos bebés por exemplo), como os pais gostarem mais daquele filho e claro que não se trata de gostarem mais desse filho: estão apenas focados em ajudar ou em fazer o que é preciso ser feito: mudar fraldas constantemente, ver o biberão, telefonar a marcar consulta com o pediatra, ir à farmácia ver de outros cremes que não façam alergias de pele... Na correria do dia-à-dia, de repente ajudar um filho que precisa sabendo que os outros estão bem, não parece grave, pois não? E não é... Mas... Há crianças que sentem essa diferença.

Muitas vezes, é difícil este equilíbrio de dar a mesma atenção e a mesma dedicação a todos os filhos de maneira igual... Mas é fundamental que exista equilíbrio. Os pais não são robots. São pessoas humanas, com limitações. Mas o que não se consegue num dia, consegue-se no dia seguinte ou no fim-de-semana, com uma atenção mais individualizada. 

Por vezes, tudo se resolve com perguntarem algo específico da escola "A que é que tu e o Jaime jogaram no intervalo de ontem?" ou com gabarem algum feito particularmente importante para a criança ou ainda dizer honestamente à criança: "Andámos numa correria ontem e hoje e ainda não tivemos quase tempo de falar. No sábado vamos lanchar e pôr a conversa toda em dia."



"You've got a friend in me!"

(from Dolce & Gabbana) 


Por vezes os adultos têm alguma tendência inconsciente de desvalorizar as amizades entre crianças, achando-as passageiras e pouco profundas. 
É natural, porque nós, como adultos, estamos habituados a uma complexidade de emoções nos nossos relacionamentos que parece anos luz da complexidade dos relacionamentos das crianças umas com as outras. 
Afinal de contas, se uma amizade que temos há vinte anos acabar damos por nós sem saber muito bem o que fazer e como é que tudo aconteceu e de repente, vemos as crianças a zangarem-se na quinta-feira e na sexta-feira inseparáveis. 

Porém, há que dizer, a amizade que as crianças criam umas com as outras não são nem menos emotivas, nem menos profundas do que as que nós, adultos, estabelecemos com outros adultos. A diferença está exclusivamente no facto de as crianças terem ainda uma capacidade muito grande de relativizar, ao passo que nós, adultos, já vivemos tanta coisa, que temos tendência a imprimir muita seriedade a algum acontecimento negativo. 

As crianças, regra geral e se não se tratar de algo mais grave, vivem mais no presente. São, por isso, mais felizes e mais equilibradas. Nós, adultos, temos uma tendência terrível para viver mais no passado e no futuro. 

Não quer isto dizer que as crianças, como expliquei, não sintam as coisas com a mesma intensidade que nós adultos. Sentem. Sofrem tanto ou mais que nós... Mas escolhem viver mais no presente. Não é por acaso que, quando éramos pequenos, um mês parecia um ano inteiro. O tempo demorava... Um dia inteiro na escola parecia um mês. Era o presente. O presente onde vivíamos. 

Acho que podemos (e devemos) aprender isto com as crianças: viver mais no presente. 

Material escolar: Escola ou Casa?

(from Billybandit shop)


Há material escolar que é excelente para usar na escola e há material escolar que mais vale ficar em casa, para os trabalhos de casa ou para atividades mais caseiras... Isto porque, falando muito a sério, mau material escolar prejudica muito o rendimento de um aluno. Não só pela qualidade, mas pela motivação que tira, por o aluno se fartar do bico que se parte sempre ou da borracha que suja tudo.

Pois bem, vou começar pelo mais básico dos básicos. Os lápis de carvão. Na escola, não dá jeito absolutamente nenhum lápis de carvão daqueles com borrachinhas na ponta. Sei que muitos pais acham prática a existência da borracha, mas lembrem-se de que: essa borracha suja mais do que apaga, essa borracha nas mãos de uma criança parte-se à primeira utilização e, mais importante que tudo, esse tipo de lápis que tem borracha na ponta simplesmente a maior parte das vezes não é bom. Parte o bico de cada vez que é afiado... Escreve um tipo de carvão por vezes irregular... Enfim. Embora agora no mercado estejam a aparecer mais modelos de lápis com borracha de qualidade, o melhor é deixar esses lápis mais bonitinhos para casa. Para a escola, nada como o original e bom amarelo e preto ou os azuis e pretos. 

Escola:

Seguindo-se na lista, temos as borrachas... E aqui, o caso não difere do anterior. As borrachas excessivamente trabalhadas com impressões de desenhos animados regra geral apagam muito, mas mesmo muito mal. Claro, há excepções. Falo aqui de uma maneira muito geral... As borrachas de cores fortes por vezes deixam um rasto de cor à sua passagem nas páginas... A melhor solução é sempre a clássica borracha branca, seja de que marca for. 

Escola: 
Quanto às canetas, nada como as canetas clássicas, de preferência com qualidade, capazes de funcionar na perfeição mesmo depois de várias quedas. 

Escola:
Quanto aos afias, para a escola, o melhor é mesmo os de caixa grande (que evite dez idas ao caixote do lixo por hora...) e de preferência, sem muitos bonecos (pois os bonecos levam a que os afias andem de mão em mão e geralmente acabam desaparecidos ou estragados...)

Escola: 


Quanto às réguas, apesar de apelativas, convém evitar na escola as réguas que se enrolam e dobram, pois depois tornam difícil manter um traço direito para alunos muito novos e com pouca prática de uso de régua. 


Escola:

Quanto aos lápis de cor, mais uma vez, é preciso cuidado com a escolha, principalmente de algumas marcas. Embora existam lápis de cor de marca branca de boa qualidade, são difíceis de encontrar. Para crianças, convém que os lápis sejam de qualidade, porque as crianças têm tendência a fazer muita força e a partir facilmente os bicos dos lápis. Para além disso, o tipo de textura da cor é importante porque há lápis de cor que literalmente, não pintam quase... Ficam riscos desiguais e borrões, que chegam a rasgar o papel. 

Escola:

Quantos às canetas de feltro, convém escolher canetas que não sequem facilmente a tinta, caso contrário a meio do primeiro período de aulas já as canetas secaram. 

Escola: 


Por último, mas não menos importante, as mochilas escolares. Este será talvez um dos itens mais importantes, pois influencia diretamente a saúde (costas) e bem-estar dos alunos. A mochila convém ter alças reforçadas e almofadadas, se possível. Convém ser impermeável (para os dias de chuva) e convém ter uma boa organização mínima. 

Claro, isto são só conselhos e sugestões de quem já viu centenas de materiais escolares. São, porém, sugestões generalizas e não excluo muitas outras marcas (até marcas brancas). O importante é mesmo ter consciência que mais vale investir em bom material, do que comprar material mais fraco e depois ter de o comprar vezes repetidas ao longo do ano... 
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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Conhecem a expressão "macaquinho de imitação"?

(from Caramel Shop)


Sempre que tenho de apelar à criatividade de uma turma inteira, sei que, regra geral, perguntar um a um e eles responderem em voz alta, é uma péssima ideia. Noutro tipo de atividades, falarem em voz alta funciona muito bem, porque lhes permite trocarem impressões e até ouvirem coisas que nunca lhes passaria pela cabeça... Mas no que toca a terem de escolher algo em frente à turma? Aí o caso muda de figura...

Isto porquê? Ora bem... Porque suponhamos que lhes digo que vamos todos imaginar uma aventura de vários animais na selva e começo pela mesa que fica em frente da minha mesa, a reunir ideias.
Primeira pergunta: "Luís, qual é o teu animal preferido? Vamos escolher uns quantos animais e depois partimos daqui para o resto da aventura." 
O Luís esfrega um bocadinho a testa, faz um esgar de concentração e lá responde: "O leão professora." Contente, prossigo com a tarefa. "Marina, qual é o teu animal preferido?" E começa aqui o labirinto. 
A Marina olha para o teto, à procura de inspiração, para atirar para o ar: "Também é o leão!" Ouve-se imediatamente lá atrás "O meu é que é o leão, macaquinhos de imitação." 

E é assim que, de um ou dois, fico com subitamente quinze alunos cujo animal preferido é o leão. 

Aniversários na escola: conhecem a lei de Murphy, certo?

(from Michelle's Party Plan blog)


A lei de Murphy diz-nos que "qualquer coisa que possa correr mal, correrá mal, no pior momento possível." Sim! Murphy estava certo... E não tivesse sido esta teoria feita por um engenheiro Aeroespacial, eu acharia que tinha sido um professor a fazê-la, especialmente nos dias em que os pais de um aluno vão à escola levar bolo de aniversário.

É certo que a maioria dos pais decide fazer a festa de aniversário dos filhos no fim-de-semana, onde podem receber uma mão cheia de crianças em casa (e para os mais destemidos, duas mãos cheias de crianças!), preparar com calma um lanche com mesas a abarrotar de sandes cortadas ao meio, pastelinhos que cheiram imensamente bem e copinhos de sumo da última tendência do Cartoon Network.
Porém, há ainda uma percentagem considerável de pais que, por vários motivos, não podem fazer a dita festa de aniversário e acabam por levar um bolo giro para a escola e uns saquinhos com guloseimas para os colegas de turma. A estes pais, juntam-se ainda a última percentagem de todas, o grupo de pais que não só faz festa de aniversário no fim-de-semana, como também levam um segundo bolo de aniversário para a escola.

São, por isso, a estes dois grupos de pais que me refiro. Eles bem chegam à hora combinada (na maioria das vezes) e trazem o bolo com tudo a preceito e um ar de quem depois de alguns anos a ver os filhos soprar velas, ainda se comovem por ver tantos sorrisos desdentados alegres.

E aqui começa a odisseia: A manhã pode ter corrido maravilhosamente bem, se calhar até nenhum se lembrou de fazer nenhum disparate. O sol brilha lá fora, a matéria consegue ser dada dentro do tempo previstos e para delírio dos professores, todos acertam nos exercícios que se seguem. A turma, bem comportada, trabalhadora, está em sintonia perfeita.
E é então que uma das auxiliares bate à porta para avisar que a "mãe da..." ou "os pais do..." chegaram.
De repente (e acontece tudo muito rápido), há lápis a cair ao chão, há um que se lembrou de beliscar o colega do lado, há uma que riscou as lentes dos óculos novos, há um que teima que não quer comer bolo e quer ir já lá para fora para o recreio, há outro que desfaz um lenço de papel em centenas de pedaços, há outra que entorna um iogurte líquido... Como tudo isto acontece ao mesmo tempo, ninguém se ouve. Eles não se ouvem. Gritam, gritam, gritam. E como gritam uns por cima dos outros, não me ouvem a mim.

É neste cenário dantesco que surgem os pais à porta, de bolo na mão, sorridentes. Sim. Não importa se a turma esteve impecável durante 3 horas. A turma vai enlouquecer quando ouvir bolo. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

"Professora, será que hoje ganha a maçã?"

(from Getty Images: photo by Heidi Coppock)



Na sala de aula temos diariamente um pequeno jogo à hora do lanche para motivação geral em relação a comer algo saudável. Assim que todos abrem as lancheiras, quem tem fruta para o lanche (entre outras coisas) mete o dedo no ar. No quadro, vamos preenchendo com tracinhos o número crescente de maçãs, bananas, morangos, uvas ou qualquer outra fruta. 
Todos os dias, há uma fruta vencedora e eles gostam disso. Gostam tanto disso que assim que toca para a hora do lanche eles abrem à pressa as caixas dos lanches (e uma  ou outra vez salta um queijinho redondo que vai a rebolar até à mesa da frente.

A verdade é que começámos a fazer este jogo quando percebi, há alguns anos atrás, que os lanches nas turmas se resumiam a:

85% = bolos açucarados, croissants mistos, croissants de chocolate, croissants de doce de ovos, bolachas (muitas muitas muitas bolachas), travesseiros, batatas fritas, pãezinhos com chocolate, barritas de chocolate, sumos, sumos, sumos (já disse sumos?)

10% = iogurtes sólidos, iorgurtes líquidos, gelatinas, sandes de manteiga, sandes de queijo, sandes de fiambre, sandes barradas com chocolate

5% = fruta

Posto isto, era preciso pensar em algo...  E eis que começou o jogo. Estou sempre a repetir mas acho importante, mesmo que me fique a assemelhar a um disco riscado: quanto mais habituarmos as crianças desde muito novas a comerem comidas mais processadas, mais difícil vai ser um dia elas virem a gostar de comida mais saudável. Vão estar totalmente habituadas a sabores próprios das comidas processadas, por isso é por demais lógico que não vão gostar dos sabores das frutas, vegetais ou comidas mais caseiras. 

Claro que não é preciso cair no exagero e tornarmo-nos mais regrados que um nutricionista, mas é importante por ali pelo menos uma fruta no lanche. Deixo aqui algumas ideias que fui encontrando aqui e ali: 


Formas de silicone maleável  
(normalmente usadas para cupcakes)

(from Amazon)


São excelentes para dividir os espaços dentro da caixa/lancheira, para os alimentos não se misturarem todos (a fruta com snacks, por exemplo). Estas formas encontram-se facilmente à venda nos hipermercados (eu própria uso-as muito para dividir os meus lanches). Em alguns sítios, um conjunto de seis ou oito formas custa um euro. 

Para se inspirarem, têm (carregando aqui) uma galeria excelente e interminável quase de opções de lanches, dos mais complexos aos mais simples: há muito por onde escolher! 
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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

"Foi o que a minha mãe disse!"

(from Jackie Gibbs)

Pais, a sério, os vossos filhos ouvem mesmo o que vocês vão dizendo e geralmente (noventa e cinco por cento das vezes) chegam à escola e contam tudo. 

Todos os dias, sou presenteada com informações familiares e pessoais do mais diversificado que se possa imaginar: 

  1. o namorado novo da mãe ficou lá em casa esta noite a dormir, professora
  2. o meu pai ontem sem querer arrancou a cortina toda do duche, professora
  3. a minha avó diz que está gorda que nem uma pêra
  4. a minha tia hoje é que me vem buscar, a minha mãe marcou manicure
  5. o meu pai quando faz cocó lê revistas
  6. a minha mãe veio da depilação com um pelo encravado 
  7. o meu irmão está com diarreia líquida verde escura 
E como estas, sei mais umas centenas. Só que estas, são as engraçadas, as que não têm nada que me preocupe muito. O problema (e é aí que percebo que as crianças dizem coisas que ouviram e que alguns dos seus comportamentos têm muito que ver com o que se passa em casa) é quando eles me dizem: 

"Eu não vou ter Bom mas também quero lá saber! Não quero saber disto para nada" 
Se lhes pergunto porque é que não querem saber:
"A minha mãe disse que o que interessa é que eu passe de ano."

"O meu pai não vai pagar a visita de estudo, professora."
Se me remeto ao silêncio, acrescentam:
"Ele gasta tudo a fumar."

"A Carolina é uma gorda estúpida!" 
Quando lhes explico que esse tipo de comportamento é inaceitável para com os colegas respondem:
"A minha mãe diz o mesmo do meu pai. O meu pai é um gordo estúpido!" 

"Professora, o que é que acontece às pessoas doidas?" 
Quando lhes pergunto porque é que me estão a perguntar isso:
"A minha mãe diz que está a dar em doida. Ela vai ser internada nos hospitais dos malucos?"

"Oh Márcio, vai-te matar!"
Quando lhes explico que não devem falar assim com os colegas respondem:
"Estava a brincar... Não era nada de mal. Os meus pais estão sempre a dizer isso um ao outro!" 

 


"Tenho um novo pai, professora"

(from Caramel) 


Longe vão os tempos em que os casamentos só duravam porque uma separação era vista como uma vergonha familiar... Um escândalo. E, como qualquer escândalo na época, falado por toda e qualquer alma das redondezas (infelizmente, para algumas famílias, esses tempos não são assim tão longínquos. Por muito angustiante e triste que seja, ainda há quem sofra dentro de casa, em silêncio, sem pôr a hipótese da separação.)

Porém, nas últimas décadas, o número de alunos por turma com pais separados é enorme. E quando escrevo enorme, é literalmente enorme.
Por um lado, significa que as pessoas estão cada vez mais abertas à mudança e que se estão constantemente em desacordo e a discutir, mais vale ir cada um para seu lado. Assim, poupam muitas dores de cabeça, muito sofrimento a elas mesmas e claro, aos filhos.

Mas separar, no dicionário, significa dispor em grupos, pôr à parte, dividir, desunir-se, partir.

Qual é a criança que, gostando dos pais e sentindo-se amada, deseja do fundo do coração dispor os pais em diferentes grupos? Pôr um dos pais à parte? Dividir os pais? Desunir os laços que os unem como família? Partir o amor dos pais?

Claro, há crianças que estão tão saturadas de ver os pais discutir... Estão tão angustiadas... Estão tão cansadas do medo (o que vai acontecer se eles, os pais, nunca pararem de discutir?) que estas crianças, estas sim, desejam do fundo do coração que os pais se separem. Só que, e reparem nisto desejam-no porque não têm escolha.

Às vezes, os pais separam-se e, para surpresa da criança, de repente tudo melhora: os pais continuam presentes na vida da criança e constata, de queixo caído e dente de leite em falta, que os pais sozinhos são muito mais divertidos e menos rabugentos. Estes são os casos de sucesso (um sucesso com um bom penso da Disney, por cima da ferida que ficou e que é preciso cuidar para o resto da vida).

Mas e as crianças que, tendo os pais separados, um dos pais está ausente? Passa um fim-de-semana e o pai ou mãe não apareceu. Passa outro e nem sinal. Os meses vão passando, até que conhecem quem algumas apelidam de "novos pais". Entramos aqui num novo mundo. O mundo dos vazios naqueles corações ainda pequenos de tamanho, mas tão grandes como os dos adultos. Estas crianças estão desejosas de preencher aquele espaço que ficou. A ausência. Aquele papel que existia na vida delas. E, para a vida fazer mais sentido, estas crianças precisam de dar voz, cara, cabelo e sorriso a esse vazio.

Assim, quando a mãe tem um novo namorado, ou o pai tem uma nova namorada, algumas destas crianças parece que entram num daqueles barquinhos de parque de diversões que é suposto imitarem canoas que caem num percurso de água a pique. Estas crianças estão no topo do mundo, tal é a alegria de terem um novo pai! Um novo pai.

Só que às vezes  (e porque a vida tem destas coisas e nada é fácil neste mundo...) o novo pai, como o biológico, também vai embora. E um bom penso Disney não chega para tapar a nova ferida que agora foi esgravatada ainda mais. E às vezes, ainda surge o terceiro pai e daquela vez é que vai ser... Mas não foi.

"Professora, tenho um novo pai!"

Quando oiço isto fico com o coração dividido. Fico feliz pela esperança naquele coração pequenino. Fico feliz pela nova chance de serem felizes. Mas cá dentro fica a angústia. A angústia de que chegue um dia em que já não lhe apetece fazer o ditado, nem as contas nem o desenho sobre o inverno. Sente falta do pai. E do outro pai. E do primeiro de todos.

A maior parte da vida, para nós, humanos, é feita de riscos. Arriscamos para sermos felizes. Eu defendo que a felicidade vale a pena alguns riscos. Mas também sei (porque lhes vejo as caras tristes, o desinteresse no jogo que a turma inteira joga) que os pais têm de ter consciência de que apresentar alguém importante à criança não é como apresentar essa pessoa aos amigos. Para os amigos, serve um "que sejam felizes que mereces!", mas para as crianças, às vezes só serve um "este vai ficar para sempre, não vai?"


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

"Não gosta da escola nem do ATL" ou "Não gosta de se esforçar"?

(from WGSN)


Nas últimas duas décadas, tenho ouvido de vários colegas de profissão vários casos de pais que lhes dizem, muito preocupados, que os filhos se queixam que não gostam nem da escola, nem do ATL.

Na cabeça de um pai ou de uma mãe, quando o filho diz que não gosta da escola nem do ATL, surgem logo em cascata como motivos:


  • os outros colegas não estão a ser bons amigos e deixam-no à parte
  • a escola e o ATL não fazem atividades suficientemente divertidas
Muitas vezes, acontece uma criança não gostar da escola por vários motivos importantes de perceber: 
  • às vezes a criança sente-se insegura perante alguns colegas mais velhos ou mais mandões, que passam os intervalos a amedrontar os mais novos 
  •  às vezes a criança sente-se frágil e insegura porque teve um irmão e sabe que a mãe ou o pai está em casa a dar toda a atenção do mundo ao bebé
  • às vezes a criança não tem muitos amigos na escola e por isso, as horas de recreio são mais difíceis
  • às vezes a criança está muito ligada à mãe ou ao pai porque um deles ficou desempregado pelo que o tempo que passam juntos é muito superior, pelo que se gera ali uma maior dependência emocional 
  • às vezes a criança está a passar por uma fase em casa diferente do habitual (os pais vão-se separar, a avó morreu, vão mudar de casa, a tia está doente, etc)  e isso faz com que a criança esteja preocupada e sinta necessidade de estar mais em casa, para tentar saber o que vai acontecer e como vai acontecer (as crianças precisam de lógica para se sentirem seguras)
  • às vezes a criança esteve doente durante vários dias e faltou às aulas: quando volta, novos grupos de amizade foram formados nos intervalos e a criança sente-se mais isolada
Quando se percebe que a criança não gosta da escola ou do ATL como um todo e que estar naquele espaço é difícil para a criança, é muito importante que a criança tenha o apoio dos pais, professor e até de um psicólogo, para se estudar a fundo os tais motivos mais escondidos que mencionei acima. Se esses problemas forem abordados na maneira certa, a criança com o tempo retoma o gosto pela escola e começa lentamente a sentir-se melhor naquele espaço. 

Porém, há casos de alunos que dizem que não gostam da escola como quem cospe para o chão. Não gostam da escola e pronto! "Não gostam de fazer contas". E de escrever? "Também não". E dos trabalhos de inverno e da páscoa? "Nem pensar." 
Não gostam de nada. Não gostam da cor das paredes da sala de aula. Não gostam da biblioteca, não gostam de ler, não gostam de trabalhos de casa, não gostam de testes e corrigir exercícios que erraram, esses, odeiam! 

Estas são as crianças que na escola, só gostam de uma única coisa: do recreio. Estas são as crianças que não gostam de se esforçar. Não gostam, não querem e têm raiva de quem gosta e quer. 
Por isso, estas são as crianças que em turma dizem com muita convicção que "ninguém gosta da escola, estudar é uma seca!" 

Só que (e é isto que me preocupa tanto...) estas crianças não se lembraram um dia de dizer que não gostam da escola só porque sim. Não. Estas são as crianças que no primeiro ano, se deslumbravam com o que aprendiam. São as crianças que se divertiam na escola... São as crianças que, por algum motivo, perceberam no seu crescimento que não tinham de se esforçar. São crianças que perceberam que esforçarmo-nos exige muito de nós e elas já não estão para isso. Elas são felizes sem se esforçarem porque continuam a ouvir que são é incompreendidas. São as crianças que quer se esforcem quer não, recebem recompensas. A vida é-lhes sempre igual. Recebem sempre  mesmo. Não lhes é exigido mais nem menos. No fundo, se formos analisar com mais profundidade, os pais até podem ter boa intenção, achando que não estão a ser exigentes em demasia, mas para as crianças, elas retiram disto que: tanto faz

É um pouco como sermos contratados para lavar um metro quadrado de chão. No primeiro dia lavamos o metro quadrado com imenso esforço e deixamo-lo a brilhar. O nosso patrão fica satisfeito. No dia seguinte lavamos com menos esforço, ainda assim ficou lavado. O nosso patrão fica satisfeito. Passados uns dias, não estamos com espírito para lavar chão, passamos só uma vez só para tirar a maior e não dizerem que não lavámos. O nosso patrão fica satisfeito. Eventualmente, perguntamo-nos: que importa esforçar-me mais, se para ele, é tudo igual?

Para nós, como adultos, importa: percebemos que lavar o metro quadrado bem, faz de nós pessoas responsáveis, competentes e úteis... E por conseguinte, isso faz-nos sentir bem connosco próprios. 

Mas para uma criança? Uma criança ainda está a perceber como é que o mundo funciona. 

Para estas crianças, tanto faz fazer os trabalhos de casa bem. Tanto faz fazer as contas. Tanto faz pintar isto bem. Tanto faz aprender ou não aprender a multiplicação. Tanto faz fazer o presente do dia do pai. Tanto faz ir ou não na visita de estudo. 

Este tanto faz, muitas vezes, encobre a carência que têm de uma mudança de atitude. Às vezes é só isso mesmo. Uma chamada de atenção aos pais. Por vezes, tudo o que precisam é que os pais lhes digam: antigamente estavas a conseguir fazer as contas tão bem, o que se passa? Precisas de ajuda?  No intervalo hoje jogaste ao quê? Com quem? Então o teu amigo Rodrigo sempre chamou Rex ao cão novo? Por vezes, tudo o que precisam é de motivação: que os pais lhes digam o quanto a escola é importante e os incentivem: "vais ver que para a semana vais gostar muito mais da escola, eu costumava gostar quando fazíamos composições e depois jogávamos ao rei manda no intervalo". 

E quando as crianças não querem mesmo mesmo fazer o mínimo esforço e amuam sempre que têm de escrever uma composição ou calcular uma soma, é porque sentem que trabalhando ou não, são recompensadas. É por isso fundamental que os pais, em casa, ponderem que tipo de recompensas estão a dar na ausência de esforços e arranjem motivação extra para o trabalho: "se a próxima ficha de matemática te correr melhor, no fim-de-semana vamos ao cinema ver aquele filme que deve ser o máximo." 

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