quarta-feira, 12 de outubro de 2016

"A minha mãe disse para eu não emprestar"

(from Anthropologie)

Desde que me lembro de dar aulas que tenho um copo na minha mesa com lápis, canetas, borrachas e afias. Como se calcula, o material que levo para o copo acaba invariavelmente estragado. As borrachas riscadas ou partidas, os lápis afiados vinte vezes numa só manhã e as canetas sem tampas. A quantidade de vezes que os meus alunos se esquecem de alguma coisa é incalculável e não gosto de estar a perder demasiado tempo de aula com o assunto, pelo que simplesmente lhes empresto o material desse copo e no final da aula devolvem. 

Só que o problema não podia ser assim tão simples, podia? É que há dias (e não são assim tão poucos) em que não foi um que se esqueceu, nem dois, nem três. Às vezes são quatro ou cinco. Ou porque perderam a borracha no colégio, ou porque o lápis se partiu ao meio, ou porque a caneta ficou em casa na mesa da cozinha. Enfim, há de tudo. Claro que no meu copo, não tenho muitas vezes material para todos os que não têm material. 

Assim, quando o material do meu copo se acaba, outros colegas de turma emprestam a quem não tem... E é aqui que começa a dor de cabeça... 

Tendo perfeita noção de que o material escolar bom é caro, também tenho noção de que a percentagem de material emprestado que depois subitamente desaparece ou se estraga é alguma. Por este último motivo, sempre que algum colega empresta material, repito várias vezes a quem não tinha o material que no fim das aulas tem de devolver o material e não só o tem de devolver, como o tem de devolver como estava. Não há simplesmente outra hipótese. 

E a verdade é que resulta. Regra geral, eles devolvem o material e tudo acaba em bem. Mas volta e meia, há sempre alguém que, sem material, pede material ao colega de mesa e se ouve em turma alto e bom som: "A minha mãe disse para eu não emprestar." 

Consigo perceber que as pessoas atinjam um limite, depois de comprarem material constantemente e de ouvirem volta e meia: o Rodrigo partiu-me a borracha, a Maria ficou com a minha caneta mas diz que não ficou e outras que tais. 

Mas também não estou certa de que a solução seja ensinar os filhos a não emprestar material e de certa forma, proibir os filhos de o fazerem... E passo a explicar o porquê: 

Para além de suscitar algumas questões morais quanto a aprendermos a partilhar o que temos (mas já nem me vou alongar por aí) a verdade é que não há caso absolutamente nenhum que eu conheça, como professora, de algum aluno que tenha dito que não podia emprestar e que depois passadas semanas não tenha precisado que lhe emprestassem material. 

Aconteceu com todos. Todos. Sim, todos mesmo. 

E conseguem adivinhar o que aconteceu depois? Claro que conseguem, porque  é por demais óbvio. Ninguém na turma lhes quer emprestar. 


2 comentários:

Marya Ana disse...

É muito interessante ver a situação de outro ponto de vista que não o de mãe!!
Isso faz-nos pensar duas vezes antes de tomar uma atitude..

Obrigada pela partilha!!

Bjos!!

Bailarina disse...

pode acontecer a todos, esquecer-se de algo, por isso e por muito que me vá enervar, saber que andam sempre a estragar o material do meu, sei que o meu também estragará o dos outros (se tiver oportunidade/necessidade), nunca vou dizer para não emprestar. A partilha e a solidariedade são muito do que quero passar ao meu pestinha.